O coração é um órgão capaz de adaptar-se a diversas situações. O treinamento físico provoca adaptações marcantes no músculo cardíaco tanto do ponto de vista anatômico, quanto fisiológico. Esse conhecimento é oriundo do fim do século 19 após constatação por um médico inglês que os corações de animais selvagens eram maiores em relação aos corações de animais domésticos da mesma espécie. Anos mais tarde foram constatadas alterações estruturais benignas nos corações de atletas olímpicos de esqui cross-country, levantando a hipótese de que os exercícios aeróbicos de alta intensidade provocam adaptações marcantes no músculo cardíaco. Estudos posteriores confirmaram essa hipótese e acrescentaram que tais alterações são reversíveis com a interrupção do treinamento após algumas semanas.
O treinamento físico intenso é capaz de aumentar a espessura da parede do coração, o que chamamos de hipertrofia do músculo cardíaco. Atualmente sabe-se que essa hipertrofia é acompanhada de dilatação da cavidade do coração (ventrículo esquerdo), principalmente em atletas envolvidos com exercícios aeróbicos, cíclicos e que envolvam grandes distâncias como é o caso do cross-country, ciclismo, remo, maratona, natação, triatlo, basquete, futebol, handebol, etc. Apesar dessa hipertrofia, os índices cardíacos funcionais são preservados, tanto a função contrátil, quanto a função de relaxamento, dado muito importante na avaliação cardiológica e que ajuda a diferenciar de condições de doença. Além disso, a hipertrofia cardíaca dos atletas assume um padrão simétrico em todas as regiões do ventrículo esquerdo, diferente de uma doença cardíaca caracterizada por hipertrofia assimétrica do músculo cardíaco e que é a maior causa de morte súbita em atletas.
Adaptações fisiológicas são observadas também. A redução da resistência vascular melhora a distribuição do fluxo de sangue para o músculo cardíaco, resultando em melhora do seu desempenho ao aumentar o débito cardíaco (volume de sangue ejetado por minuto) e do consumo máximo de oxigênio (VO2 máximo). Tudo isso está relacionado à melhora da performance cardiovascular ao exercício, objetivo almejado por atletas e esportistas de alto rendimento e que será um pilar fundamental para melhorar os resultados nas provas. A adaptação neuro-humoral que o treinamento físico proporciona resulta na diminuição da frequência cardíaca, sendo marcante a frequência cardíaca baixa nos atletas.
Essas adaptações estruturais e fisiológicas se refletem nos exames cardiológicos e exigem conhecimento específico para correta interpretação. O eletrocardiograma de repouso, o ecocardiograma e a ergoespirometria são os melhores exames para avaliação e acompanhamento dos atletas. Muitas vezes os achados se confundem com alterações patológicas e podem prejudicar os esportistas. Deixar de diagnosticar uma doença cardíaca e liberar o indivíduo para exercitar-se eleva o risco de morte súbita, e por outro lado afastar o atleta saudável das suas atividades esportivas por causa das adaptações esperadas pode acabar com uma carreira promissora. É importante ressaltar que há limites para as adaptações no coração de atleta, por isso é importante monitorizá-los periodicamente e saber intervir quando necessário, no sentido de interromper o treinamento e aguardar a regressão das alterações adaptativas.