A temível dissecção de aorta nos tirou Belchior, como era conhecido Antônio Carlos Gomes Moreira Belchior Fontenelle Fernandes, nascido em Sobral no ano de 1946. Ironicamente teve como um de seus maiores sucessos o álbum “Coração selvagem”, o terceiro de sua coletânia que soma aproximadamente 600 títulos. O título “Coração selvagem” compõe a faixa de número 1 do álbum de mesmo nome lançado em 1977 e esse é seu trecho mais marcante:
“…Meu bem, o mundo inteiro está naquela estrada ali em frente
Tome um refrigerante, coma um cachorro-quente
Sim, já é outra viagem
E o meu coração selvagem tem essa pressa de viver
Meu bem, mas quando a vida nos violentar
Pediremos ao bom Deus que nos ajude
Falaremos para a vida
Vida, pisa devagar, meu coração, cuidado, é frágil
Meu coração é como vidro, como um beijo de novela
Meu bem, talvez você possa compreender a minha solidão
O meu som, e a minha fúria e essa pressa de viver
E esse jeito de deixar sempre de lado a certeza
E arriscar tudo de novo com paixão
Andar caminho errado pela simples alegria de ser
Meu bem, vem viver comigo, vem correr perigo, vem morrer comigo
Meu bem, meu bem, meu bem”
Esse trecho de “Coração selvagem” representa, infelizmente, a fase final da vida de Belchior. Solidão, o abandono da certeza, coração frágil. A dissecção de aorta, uma das doenças cardiovasculares mais temíveis, por ter alta mortalidade fora a causa mortis do glorioso Belchior que preferiu se isolar e abandonar a notoriedade.
A dissecção de aorta é uma doença que acomete mais homens entre os 40 e 70 anos de idade, hipertensos e com aterosclerose ( doença da parede das artérias com acúmulo de gordura e mediadores inflamatórios que favorece ao enfraquecimento da sua estrutura ). Pessoas com síndrome de Marfan, doença genética autossômica dominante, são também de alto risco para dissecção de aorta.
A aorta é a maior artéria do nosso corpo. Sua estrutura é composta por camadas de células unidas por tecido conectivo inseparáveis em condições normais. A separação dessas camadas, especificamente da camada média a partir da ruptura da camada íntima ( camada interna da aorta ), leva à dissecção da aorta com a possibilidade de graves consequências como o desabamento da valva aórtica, o tamponamento pericárdico, o derrame pleural hemorrágico ( hemotórax maciço ), a ruptura da aorta, a oclusão de artérias com disfunção orgânica isquêmica ( falta de sangue ) de órgãos vitais. Todas essas condições são muito graves e com taxa de mortalidade acima de 90%.
O sintoma mais frequente relacionado à dissecção de aorta é a dor torácica que pode ser no peito ou no dorso. A dor é intensa, lancinante é descrita pelos pacientes como se uma faca estivesse rasgando o tórax de cima a baixo. Na maioria das vezes os pacientes se apresentam hipertensos ( com a pressão alta ). Nos casos em que há hipotensão ( pressão baixa ) na apresentação inicial há chance de alguma complicação ( descritas acima ) ter ocorrido e portanto o prognóstico é ruim.
A hipótese diagnóstica é feita na sala de emergência pela história clínica e exame físico. Os exames complementares que auxiliam no diagnóstico são: eletrocardiograma, radiografia de tórax, ecocardiograma e a tomografia. Em pacientes estáveis, a principal ferramenta diagnóstica é a angiotomografia de aorta.
O tratamento clínico visa estabilizar o quadro utilizando medicamentos intravenosos que reduzem a frequência cardíaca e a pressão arterial de forma consistente, além de analgesia potente para o conforto do paciente. O tratamento cirúrgico é fundamental na dissecção de aorta que acomete a parte ascendente da aorta torácica ( início da aorta ). Já nos casos em que não acomete há o acometimento da aorta ascendente a cirurgia deve ser indicada principalmente se há oclusão de artérias com disfunção isquêmica de orgãos vitais ou dor refratária com iminência de ruptura da aorta. Os pacientes com síndrome de Marfan devem ser operados em ambos os casos.
“…Meu bem, mas quando a vida nos violentar
Pediremos ao bom Deus que nos ajude
Falaremos para a vida
Vida, pisa devagar, meu coração, cuidado, é frágil
Meu coração é como vidro, como um beijo de novela…”
Não deixe a vida violentar seu coração. O proteja como se fosse de vidro, como um beijo de novela.